sexta-feira, 22 de março de 2013

Dom Helder e o Pacto das Catacumbas


Um dos signatários e propositores do Pacto foi Dom Hélder Câmara.

No dia 16 de novembro de 1965, poucos dias antes da clausura do Concílio Vaticano  II, cerca de 40 Padres Conciliares celebraram uma Eucaristia nas catacumbas de  Domitila, em Roma, pedindo fidelidade ao Espírito de Jesus. Após essa celebração,  firmaram o "Pacto das Catacumbas". 

O documento é um desafio aos "irmãos no Episcopado" a levarem uma "vida de  pobreza", uma Igreja "servidora e pobre", como sugeriu o papa João XXIII. Os  signatários - dentre eles, muitos brasileiros e latino-americanos, sendo que mais  tarde outros também se uniram ao pacto – se comprometiam a viver na pobreza, a  rejeitar todos os símbolos ou os privilégios do poder e a colocar os pobres no centro  do seu ministério pastoral. O texto teve forte influência sobre a Teologia da  Libertação, que despontaria nos anos seguintes. 

Eis o texto:


PACTO DAS CATACUMBAS DA IGREJA SERVA E POBRE 

Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de 
nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa 
iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a singularidade e a presunção; 
unidos a todos os nossos Irmãos no Episcopado; contando sobretudo com a graça e 
a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de 
nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante 
da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas 
dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda a 
determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos 
ao que se segue: 

1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que 
concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se 
segue. Cf. Mt 5,3; 6,33s; 8,20. 

2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no 
traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem 
esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mc 6,9; Mt 10,9s; At 3,6. Nem ouro 
nem prata. 

3) Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco, etc., em nosso 
próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese, ou das 
obras sociais ou caritativas. Cf. Mt 6,19-21; Lc 12,33s. 

4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa 
diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico, 
em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos. Cf. Mt 10,8; 
At. 6,1-7.

 5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que  signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor...). Preferimos  ser chamados com o nome evangélico de Padre. Cf. Mt 20,25-28; 23,6-11; Jo 13,12-15.

6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que 
pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer 
aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos). Cf. Lc 13,12-14; 1Cor 9,14-19. 

7) Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que 
seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão. 
Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação 
normal no culto, no apostolado e na ação social. Cf. Mt 6,2-4; Lc 15,9-13; 2Cor 12,4. 

8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e 
economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras 
pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou 
sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários 
compartilhando a vida operária e o trabalho. Cf. Lc 4,18s; Mc 6,4; Mt 11,4s; At 
18,3s; 20,33-35; 1Cor 4,12 e 9,1-27. 

9) Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, 
procuraremos transformar as obras de "beneficência" em obras sociais baseadas na 
caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um 
humilde serviço dos organismos públicos competentes. Cf. Mt 25,31-46; Lc 13,12-14 
e 33s. 

10) Poremos tudo em obra para que os responsáveis pelo nosso governo e pelos 
nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as 
instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento 
harmônico e total do homem todo em todos os homens, e, por aí, ao advento de 
uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus. 
Cf.At. 2,44s; 4,32-35; 5,4; 2Cor 8 e 9 inteiros; 1Tim 5, 16. 

11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral - dois terços da humanidade - comprometemo-nos: 

− a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos 
episcopados das nações pobres; 

− a requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas 
testemunhando o Evangelho,como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de 
estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias 
num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem 
de sua miséria. 

12) Comprometemo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos 
irmãos em Cristo,sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua 
um verdadeiro serviço; assim: 

− esforçar-nos-emos para "revisar nossa vida" com eles; 

− suscitaremos colaboradores para serem mais uns animadores segundo o 
espírito, do que uns chefes segundo o mundo; 

− procuraremos ser o mais humanamente presentes, acolhedores...; 

− mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião. Cf. Mc 8,34s; 
At 6,1-7; 1Tim 3,8-10. 

13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos 
diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu 
concurso e suas preces. 

AJUDE-NOS DEUS A SERMOS FIÉIS.

[Publicado no livro "Concílio Vaticano II", Vol. V, Quarta Sessão (Vozes, 1966), 
organizado por Boaventura Kloppenburg (p. 526-528).]

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