Um dos signatários e propositores do Pacto foi Dom Hélder Câmara.
O documento é um desafio aos "irmãos no Episcopado" a levarem uma "vida de pobreza", uma Igreja "servidora e pobre", como sugeriu o papa João XXIII. Os signatários - dentre eles, muitos brasileiros e latino-americanos, sendo que mais tarde outros também se uniram ao pacto – se comprometiam a viver na pobreza, a rejeitar todos os símbolos ou os privilégios do poder e a colocar os pobres no centro do seu ministério pastoral. O texto teve forte influência sobre a Teologia da Libertação, que despontaria nos anos seguintes.
Eis o texto:
PACTO DAS CATACUMBAS DA IGREJA SERVA E POBRE
Nós, Bispos, reunidos no Concílio Vaticano II, esclarecidos sobre as deficiências de
nossa vida de pobreza segundo o Evangelho; incentivados uns pelos outros, numa
iniciativa em que cada um de nós quereria evitar a singularidade e a presunção;
unidos a todos os nossos Irmãos no Episcopado; contando sobretudo com a graça e
a força de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a oração dos fiéis e dos sacerdotes de
nossas respectivas dioceses; colocando-nos, pelo pensamento e pela oração, diante
da Trindade, diante da Igreja de Cristo e diante dos sacerdotes e dos fiéis de nossas
dioceses, na humildade e na consciência de nossa fraqueza, mas também com toda a
determinação e toda a força de que Deus nos quer dar a graça, comprometemo-nos
ao que se segue:
1) Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que
concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se
segue. Cf. Mt 5,3; 6,33s; 8,20.
2) Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no
traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem
esses signos ser, com efeito, evangélicos). Cf. Mc 6,9; Mt 10,9s; At 3,6. Nem ouro
nem prata.
3) Não possuiremos nem imóveis, nem móveis, nem conta em banco, etc., em nosso
próprio nome; e, se for preciso possuir, poremos tudo no nome da diocese, ou das
obras sociais ou caritativas. Cf. Mt 6,19-21; Lc 12,33s.
4) Cada vez que for possível, confiaremos a gestão financeira e material em nossa
diocese a uma comissão de leigos competentes e cônscios do seu papel apostólico,
em mira a sermos menos administradores do que pastores e apóstolos. Cf. Mt 10,8;
At. 6,1-7.
5) Recusamos ser chamados, oralmente ou por escrito, com nomes e títulos que signifiquem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor...). Preferimos ser chamados com o nome evangélico de Padre. Cf. Mt 20,25-28; 23,6-11; Jo 13,12-15.
6) No nosso comportamento, nas nossas relações sociais, evitaremos aquilo que
pode parecer conferir privilégios, prioridades ou mesmo uma preferência qualquer
aos ricos e aos poderosos (ex.: banquetes oferecidos ou aceitos, classes nos serviços religiosos). Cf. Lc 13,12-14; 1Cor 9,14-19.
7) Do mesmo modo, evitaremos incentivar ou lisonjear a vaidade de quem quer que
seja, com vistas a recompensar ou a solicitar dádivas, ou por qualquer outra razão.
Convidaremos nossos fiéis a considerarem as suas dádivas como uma participação
normal no culto, no apostolado e na ação social. Cf. Mt 6,2-4; Lc 15,9-13; 2Cor 12,4.
8) Daremos tudo o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., ao serviço apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e
economicamente fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras
pessoas e grupos da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou
sacerdotes que o Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários
compartilhando a vida operária e o trabalho. Cf. Lc 4,18s; Mc 6,4; Mt 11,4s; At
18,3s; 20,33-35; 1Cor 4,12 e 9,1-27.
9) Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas,
procuraremos transformar as obras de "beneficência" em obras sociais baseadas na
caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um
humilde serviço dos organismos públicos competentes. Cf. Mt 25,31-46; Lc 13,12-14
e 33s.
10) Poremos tudo em obra para que os responsáveis pelo nosso governo e pelos
nossos serviços públicos decidam e ponham em prática as leis, as estruturas e as
instituições sociais necessárias à justiça, à igualdade e ao desenvolvimento
harmônico e total do homem todo em todos os homens, e, por aí, ao advento de
uma outra ordem social, nova, digna dos filhos do homem e dos filhos de Deus.
Cf.At. 2,44s; 4,32-35; 5,4; 2Cor 8 e 9 inteiros; 1Tim 5, 16.
11) Achando a colegialidade dos bispos sua realização a mais evangélica na assunção do encargo comum das massas humanas em estado de miséria física, cultural e moral - dois terços da humanidade - comprometemo-nos:
− a participarmos, conforme nossos meios, dos investimentos urgentes dos
episcopados das nações pobres;
− a requerermos juntos ao plano dos organismos internacionais, mas
testemunhando o Evangelho,como o fez o Papa Paulo VI na ONU, a adoção de
estruturas econômicas e culturais que não mais fabriquem nações proletárias
num mundo cada vez mais rico, mas sim permitam às massas pobres saírem
de sua miséria.
12) Comprometemo-nos a partilhar, na caridade pastoral, nossa vida com nossos
irmãos em Cristo,sacerdotes, religiosos e leigos, para que nosso ministério constitua
um verdadeiro serviço; assim:
− esforçar-nos-emos para "revisar nossa vida" com eles;
− suscitaremos colaboradores para serem mais uns animadores segundo o
espírito, do que uns chefes segundo o mundo;
− procuraremos ser o mais humanamente presentes, acolhedores...;
− mostrar-nos-emos abertos a todos, seja qual for a sua religião. Cf. Mc 8,34s;
At 6,1-7; 1Tim 3,8-10.
13) Tornados às nossas dioceses respectivas, daremos a conhecer aos nossos
diocesanos a nossa resolução, rogando-lhes ajudar-nos por sua compreensão, seu
concurso e suas preces.
AJUDE-NOS DEUS A SERMOS FIÉIS.
[Publicado no livro "Concílio Vaticano II", Vol. V, Quarta Sessão (Vozes, 1966),
organizado por Boaventura Kloppenburg (p. 526-528).]
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