Roberto Lemos dos Santos Filho
Em simbólico e relevante julgamento concluído em 2 de maio de 2012, o Supremo Tribunal Federal assegurou aos indígenas Pataxó Hãe-Hãe-Hãe o direito sobre as terras localizadas na Reserva Caramuru-Catarina Paraguassu, localizada no sul do estado da Bahia (ACO nº 312).
O julgado reafirmou o indigenato, o direito congênito e primário dos indígenas sobre suas terras, independentemente de título ou reconhecimento formal, estabelecido no sistema legal brasileiro pela Lei nº 601/1850, e previsto nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e Emenda de 1969, e 1988.
O precedente tem significância ímpar por dar efetividade ao disposto no art. 231, caput e §§ 1º, 2º e 6º da Constituição em vigor, e ao comando do art. 14 da Convenção 169 da OIT, que impõe aos Estados signatários, como o Brasil, o dever de reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras por eles ocupadas.
E tal julgamento foi concluído em momento em que, exorbitando os limites da legislação de regência, o Poder Executivo, criou novo empecilho ao reconhecimento de terras indígenas, ao estabelecer entre outras exigências necessidade de consulta prévia ao Ministério de Minas e Energia antes de qualquer decisão da Funai.
Como divulgado em órgãos de comunicação, a criação desse novo requisito ao reconhecimento de terras indígenas torna incerto o destino de diversos procedimentos já instaurados para esse fim, que já sem encontram prontos para homologação, a ser realizada mediante Decreto (art. 5º do Decreto nº 1775/1996 combinado com o art. 84, inciso VI, da Constituição).
Por certo a questão merecerá a devida atenção do Ministério Público Federal, órgão que possui a atribuição de defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas (art. 129, inciso V, da Constituição), e conta com grupo seleto de profissionais integrados nas questões que envolvem índios e minorias (6ª Câmara de Coordenação e Revisão).
Mas importante é o fato de a Suprema Corte ter dado efetividade às regras previstas na Constituição e na Convenção 169-OIT, que não podem apenas fazer parte de discursos retóricos ornamentais, dado que as terras são fundamentais para a sobrevivência física e cultural dos indígenas, visto eles entenderem ser parte dela, assim como ser a terra parte deles próprios.
E isso foi bem ressaltado pelo Presidente da Suprema Corte, Ministro Ayres Brito, que ao proferir voto no julgado em comento pontificou que “para o índio, a terra não é um bem mercantil, passível de transação”; “a terra é um totem horizontal, é um espírito protetor, é um ente com o qual ele mantém uma relação umbilical”.
Roberto Lemos dos Santos Filho é mestre em Direito Universidade pela Católica de Santos-SP e juiz Federal Titular da 1ª Vara Bauru-SP.
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