segunda-feira, 2 de agosto de 2010

SBPC: “A educação é a maior tragédia desse país”


Por Osvaldo Bertolino

A Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizada na UFRN, esta semana, chamou a atenção para a importância da ciência e tecnologia para o desenvolvimento econômico e social do Rio Grande do Norte. Para o reitor da UFRN, Ivonildo Rêgo, este é um momento crucial para a sociedade e os políticos potiguares discutirem a necessidade de investir fortemente em educação e inovação tecnológica. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Ivonildo avaliou que não há como superar o histórico atraso do RN sem passar pelo avanço na produção de conhecimento no nosso Estado. “A educação precisa ser um assunto chave nessa eleição”, aponta.

Terminada a reunião da SBPC, como o senhor avalia a qualidade do que foi apresentado? Tivemos o que há de melhor em termos de pesquisa no país?

Existem sociedades específicas que promovem congressos relacionados a cada área. Mas a reunião da SBPC sempre teve o perfil de abordar as grandes questões, os temas de alta relevância para a ciência e até para a humanidade. É um evento que debate não só ciência, mas políticas públicas e problemas que a sociedade precisa discutir. Além disso, os alunos de graduação, na iniciação científica, e os de pós-graduação sempre têm uma participação bastante expressiva. A Reunião não se limita às conferências e debates, porque há toda uma interação com a arte e a cultura, na programação cultural.

Que legado a reunião deixa para a UFRN?

Acho que o legado fica para todo o Estado. Milhares de pessoas tiveram a oportunidade de participar de um evento dessa dimensão e perceber a importância da ciência para modificar a realidade social das cidades, enfim, do Brasil. Para a comunidade interna, é a possibilidade de trocar experiências e entrar em contato com visões distintas sobre temas também pesquisados aqui. No que diz respeito à instituição em si, sem dúvida há um aumento na projeção nacional da Universidade, com tantas pessoas de outros estados conhecendo o trabalho desenvolvido aqui.

O neurocientista Miguel Nicolelis comentou recentemente, em uma entrevista à TRIBUNA DO NORTE, a dificuldade de conseguir apoios e parcerias para os projetos “científico-sociais” do Instituto Internacional de Neurociências. Como o senhor vê a falta de apoio para a ciência e a tecnologia no Estado?

Ciência, tecnologia e inovação são três pontos fundamentais para o desenvolvimento de qualquer sociedade. Temos, na UFRN, desempenhado um papel importante, mas é necessário que o Estado crie o seu próprio sistema de ciência e tecnologia em prol do desenvolvimento social e econômico. Outros Estados, como os nossos vizinhos Ceará e Pernambuco, fizeram isso. Tivemos avanço, temos agora uma fundação de apoio à pesquisa, mas ainda há muito para avançar. Nossos políticos e gestores não se deram conta que vivemos em uma sociedade do conhecimento. Se não investirmos em educação e ciência, aliada a inovação, não iremos superar nunca o subdesenvolvimento. O Governo Federal tem tido uma atuação forte. Vejam: a boa estrutura que existe é do Governo Federal, com a UFRN, os IFRN, a Ufersa. Cada um real investido pelo Governo do Estado, o Governo Federal investe dois reais. Então é preciso organizar institutos de pesquisa, investir na educação de base, enfim, há muito para ser feito.

É possível que o apelo sensibilize os gestores?

A questão trazida por Nicolelis tem um aspecto positivo justamente porque coloca em debate a importância desses investimentos. E não somente para o Instituto que ele fundou, mas para toda a política de ciência e tecnologia. A mensagem de Nicolelis claramente é: precisamos ter uma política clara de tecnologia aliada ao desenvolvimento econômico e social do Estado. É assim que a sociedade e a nossa classe política devem receber essas críticas. A educação, a ciência e a tecnologia precisam ser o assunto chave para essa eleição que teremos em breve. Só assim poderemos corrigir o atraso e o subdesenvolvimento histórico do nosso Estado.

Em relação à educação de base, tivemos um resultado não muito animador no último Enem. Como o senhor viu esse resultado?

No Nordeste, os indicadores de todos os estados são ruins, mas o que se viu no Rio Grande do Norte foi particularmente desanimador. A educação deve ser um desafio para as próximas gestões no Estado. A Secretaria de Educação deve ficar livre das injunções político-partidárias. Precisamos de uma política de Estado, que agregue todos, sem cores de partidos ou governos. Há outros estados da região Nordeste conseguindo bons resultados na educação básica. Não é unicamente o fato de sermos um estado pobre que contribui para isso. Existem escolas em regiões pobres com bons resultados. Mas a educação tem sido mal tratada pelos governos no Rio Grande do Norte e não se trata de dizer governo a, b ou c. Nenhum tratou com a importância merecida e esse é o resultado. A classe política tem um papel fundamental nisso. Por exemplo, está se discutindo a questão do pré-sal, com a possibilidade de se criar um “fundo social” a partir da exploração desse recurso natural. E fica cada governador questionando, pedindo para tirar uma parte e dedicar ao custeio dos estados, onde esse recurso vai se perder. Esse é um dos últimos momentos para o Brasil de promover uma grande transformação através de um recurso natural desse valor. O dinheiro resultante disso poderia ser usado justamente na educação. Eu sempre digo: a educação é a maior tragédia desse país.

Os alunos chegam à Universidade com muitas deficiências de base?

Sim. Tentamos minorar o problema com a reposição de conteúdos, além do suporte assistência estudantil, com residência, restaurante universitário, bolsas de estudo. Claro que é impossível repor na Universidade 12 anos desperdiçados na base, mas é o que pode ser feito. O ensino de ciências é particularmente deficitário.

Mesmo com essas dificuldades, a UFRN tem vivido um momento de forte expansão. Que projetos o senhor destaca?

Temos muitos projetos na Universidade que contribuem de forma importante para dar um salto na produção científica do Estado. Em termos de projetos ligados diretamente ao ensino básico, eu destaco a Metrópole Digital. Estamos terminando a licitação para fazer os dois prédios, mas o projeto já está em andamento. Ele atende adolescentes de 14 a 18 anos com aulas de informática e línguas. O objetivo é criar um pólo de tecnologia da informação. É um projeto estratégico da Universidade porque integra o ensino desses jovens com alunos de mestrado e doutorado, professores titulares e empresas conceituadas na área. Teremos essas empresas dentro do projeto para fazer essa integração e incubar novas empresas a partir desses alunos. Isso já acontece dentro da UFRN hoje. O software utilizado pela Petrobras para gerir os poços de petróleo em terra surgiu em uma empresa incubada dentro da UFRN, com uma dissertação de mestrado. Esse é o caminho. Além disso, inauguramos a Escola de Ciência e Tecnologia, onde boa parte das conferências da SBPC aconteceram. Lá iremos oferecer o bacharelado em Ciência e Tecnologia, com um ciclo mais curto, de três anos, que pode posteriormente se transformar em um curso de engenharia ou outra ciência específica, caso o aluno queira continuar. Ele também pode sair para o mercado no fim do primeiro ciclo. Esse é um modelo adotado na Europa e nos Estados Unidos.

E em relação aos novos projetos e captação de recursos?

A Universidade sempre esteve ligada a várias instituições de fomento, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) ou o CNPq. Até 2011, contando desde 2007, teremos R$ 200 milhões investidos somente em construções. Quando eu falo em novos prédios, não me refiro somente à infraestrutura. Cada prédio novo na UFRN significa um projeto acadêmico. Se estamos investindo R$ 200 milhões em prédios, precisamos pelo menos da metade em termos de equipamentos. Temos hoje 40 laboratórios de ensino e pesquisa somente na área de petróleo, gás e energias renováveis. Teremos em breve o Instituto de Línguas, Literaturas e Culturas Modernas, chamado Ágora, tanto para alunos estrangeiros que venham para a UFRN quanto para alunos daqui que queiram sair em intercâmbio. Tudo isso faz parte da expansão da UFRN. Nos últimos 15 anos, saímos de 11,8 mil alunos para 34 mil e deveremos chegar a 45 mil. De 340 professores com doutorado, chegamos a 1,25 mil. E tudo isso com qualidade. Estamos em posição de destaque em todos os rankings nacionais de universidades.

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